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25 de Abril de 2024
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    Audiência pública oferece voz a comunidade quilombola em Paulo Lopes (SC)

    há 7 anos

    Florianópolis - Do atraso na regularização do território ao preconceito que leva à falta de oportunidades de trabalho, a comunidade quilombola Santa Cruz pôde relatar seus desafios e desejos em audiência pública no dia 18 de maio, em Paulo Lopes, na Grande Florianópolis. O evento foi promovido pelo Ofício Regional de Direitos Humanos da Defensoria Pública da União (DPU) em Santa Catarina, que administra um processo de assistência jurídica gratuita dedicado à comunidade. O defensor João Panitz presidiu a audiência pública.

    A Fundação Cultural Palmares reconheceu a comunidade quilombola em 2007, pela Portaria 23, de 28 de fevereiro. Dez anos depois, no entanto, seu território ainda não foi regularizado. Membros da comunidade questionaram a demora do processo, de responsabilidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Presente ao evento, o superintendente substituto do órgão em Santa Catarina, Nilton Tadeu Garcia, relatou as dificuldades orçamentárias pelas quais o Incra passa e disse que não poderia, naquele momento, apresentar um cronograma para a regularização.

    O estudo antropológico para a delimitação e a titulação da área está concluído. A autora, Cinthia Creatini, apresentou na audiência os principais pontos de seu trabalho, explicando a formação de Santa Cruz e suas características. De acordo com o defensor João Panitz, é direito da comunidade o conhecimento sobre as etapas e datas do processo, e a DPU buscará soluções administrativas e judiciais, se necessário, para tratar do tema.

    Creatini demonstrou preocupação com a especulação imobiliária dentro da área considerada quilombola, conforme seu estudo. Segundo a antropóloga, a chegada de novos moradores e a venda de lotes são “efeitos que reproduzem a descaracterização da comunidade”. O plano diretor, aprovado na Câmara Municipal em 2010, apresenta um zoneamento que abriria a possibilidade de crescimento da cidade sobre aquela região.

    O defensor João Panitz recomendou à Prefeitura atenção especial para evitar que pessoas de fora tomem conta do território e que a Câmara volte a discutir a questão. Foi sugerida ainda a proteção da área em estudo por meio de medidas de preservação cultural.

    Distanciamento

    A segregação sentida pela comunidade em relação ao resto do município foi mencionada em vários momentos da audiência pública. Os moradores de Santa Cruz relataram problemas para se inserir no mercado de trabalho, tendo que buscar emprego em outras cidades. Os discursos trataram também de discriminação em ambiente escolar e divisão social e racial.

    As queixas envolveram ainda a falta de pavimentação na estrada de acesso a Santa Cruz, o que dificulta o deslocamento de estudantes e trabalhadores especialmente em dias de chuva, e a ausência de infraestrutura de saneamento básico. O prefeito de Paulo Lopes, Nadir Carlos Rodrigues, reconheceu as deficiências e revelou que existe um projeto, em estado inicial, para melhorar as condições sanitárias no local. Rodrigues destacou as ações de assistência social que já ocorrem e a procura de um terreno em Santa Cruz para a instalação de uma horta comunitária, a pedido dos moradores.

    Vanda Pinedo, do Movimento Negro Unificado, ressaltou a importância da audiência pública. “Tanto tempo após a escravidão, agora é que a comunidade foi ouvida”, disse. “Desejamos que Paulo Lopes passe a tratar a questão de maneira diferente. A cidade deve se comprometer com o desafio e buscar um futuro melhor.” Pinedo lembrou que o governo atual se mostrou disposto a tratar dos problemas com a comunidade. A professora sugeriu a formalização de parcerias com o Sebrae e o Senai para o desenvolvimento local, além da criação de um programa de geração de emprego e renda e de feiras para a produção originária de Santa Cruz.

    O defensor público federal João Panitz se comprometeu a encaminhar ofício ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) para tratar da pavimentação da estrada de acesso à comunidade, próxima à BR-101, em parceria com a concessionária da rodovia. Aos órgãos municipais, Panitz recomendou que sigam a política nacional de cotas nos concursos, para colaborar com a inclusão social da comunidade afro-brasileira.

    Segundo o defensor João Panitz, "o grande êxito da audiência pública foi dar visibilidade a pessoas que são parte indissociável da formação do município, descendentes genuínos da rica cultura e história trazidos pelos escravos africanos, cuja preservação, obrigação constitucional do poder público, deve ser motivo de orgulho e engajamento de todos os brasileiros".

    Também participaram do evento dezenas de moradores da comunidade; Natalina Felipe, liderança de Santa Cruz; o presidente da Câmara Municipal de Paulo Lopes, Everaldo Evilásio dos Santos; a promotora de Justiça de Garopaba Fabiana Mara Silva Wagner; a representante do Comitê Quilombolas da Associação Brasileira de Antropologia, Raquel Mombelli; a psicóloga Gisely Botega; o comandante da 8ª Região da Polícia Militar, coronel Roberto Vidal Fonseca; o antropólogo do Incra Marcelo Spaolonse; Maria de Lourdes Mina, do Movimento Negro Unificado; além de secretários e vereadores municipais e representantes de organizações ligadas à assistência social e à questão quilombola.

    Quilombolas

    Desde a Constituição Federal de 1988, os quilombos são reconhecidos como comunidades negras rurais com trajetória histórica própria e forte relação com seu território, além de possuir ancestralidade negra relacionada ao período da escravidão e características sociológicas comuns. Em alguns casos, os quilombolas até mesmo habitam o local das fazendas em que seus ancestrais trabalharam.

    Problemas ligados à saúde, à previdência, à regularização fundiária, ao saneamento básico, entre outros, são frequentemente encontrados nas comunidades quilombolas, muitas vezes segregadas do restante da sociedade. Segundo o Artigo do Decreto 4.887, de 2003, são consideradas terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural. O Incra é responsável pela delimitação, pela demarcação e pela titulação dessas terras.

    A DPU atua a fim de garantir os direitos dessa população, bem como auxiliar no seu reconhecimento como comunidade quilombola e na busca pela propriedade da terra. No início de 2014 foi criado na DPU o Grupo de Trabalho (GT) sobre Comunidades Tradicionais Quilombolas para tratar do tema em todo o país.

    RRD
    Assessoria de Comunicação Social
    Defensoria Pública da União

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